terça-feira, 18 de agosto de 2009

Como fazer do seu jotacá uma cabana na floresta - tomo 12

"E já que falei na minha aventura peço uma coisa e aviso outra. Não pensem vocês, aí de Minas, que sou um qualquer leviano e estou dando por paus e por pedras sem saber bem o que estou fazendo. A aventura em que me meti é uma coisa séria já muito pensada e repensada. Não estou cultivando exotismos e curiosidades de linguajar caipira. Não. É possível que por enquanto eu erre muito e perca em firmeza e clareza e rapidez de expressão. Tudo isso é natural. Estou num país novo e na escureza completa duma noite. (...) O povo não é estúpido quando diz 'vou na escola', 'me deixe', 'carneirada', 'mapear', 'besta ruana', 'farra', 'vagão', 'futebol'. É antes inteligentíssimo nessa aparente ignorância porque sofrendo as influências da terra, do clima, das ligações e contatos com outras raças, das necessidades do momento e da adaptação, e da pronúncia, do caráter, da psicologia racial modifica aos poucos uma língua que já não lhe serve de expressão porque não expressa ou sofre essas influências e a transformará afinal numa outra língua que se adapta a essas influências. Então os escrevedores estilizam esse novo vulgar, descobrem-lhe as leis embrionárias e a língua literária, única que tem reconhecimento universal (aqui sinônimo de culto) aparece. Nessa estrada me meti. Sei que tudo está por fazer. E o que é pior sei que uma palavra brasileira empregada na escrita soa pra todos como exotismo, regionalismo porque só como regionalismo exótico foi empregada até agora.(...)"
Mário de Andrade in A lição do amigo (cartas a Carlos Drummond de Andrade, escritas entre 1925 e 1945)

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